Estamos em março de 2020 e o que muitos diriam ser impossível ocorreu. Inúmeras medidas vêm sendo tomadas pelas autoridades públicas e aos poucos o Brasil desacelera. Já está claro para todos que os impactos do COVID-19 serão significativos para a economia.
 
Não se sabe ao certo, no entanto, a extensão dos danos decorrentes desse cenário, mas é fato que a impossibilidade de cumprir total ou parcialmente as obrigações contratuais preocupam vários empreendedores.
 
Nosso objetivo com o presente artigo é apresentar hipóteses jurídicas que podem funcionar como uma “luz no fim no túnel”. É muito importante que o empreendedor esteja bem amparado juridicamente para a minimização dos possíveis prejuízos.
 
Nesta leitura, você encontrará 5 pontos cuja compreensão consideramos importantes para auxiliar empresários, empreendedores e autônomos em geral nesse cenário de pandemia versus obrigações contratuais. Vale lembrar que a análise da aplicabilidade das medidas a seguir delineadas a Contratos específicos deve ser feita de forma criteriosa, para que o generalismo não prejudique as relações entre as partes envolvidas.
 

O primeiro ponto a ser considerado, é que as relações contratuais são regidas pelo princípio da conservação do negócio jurídico e pelo pacta sunt servanda (do latim, os acordos devem ser cumpridos). Os dois princípios merecem atenção neste momento, de modo que a revisão e a extinção dos vínculos contratuais sejam medidas excepcionais e extremas, a fim de evitar maiores prejuízos.
Este é o momento de conversar e negociar com seus fornecedores para que em conjunto encontrem a melhor solução para os impactos financeiros que todos estão sofrendo.
 

Em sendo necessárias alterações, deve-se ter em mente a aplicabilidade do princípio rebus sic stantibus, segundo o qual nos contratos comutativos, de trato sucessivo e de execução diferida, ou seja, que se protraem no tempo, está implícita cláusula pela qual a obrigatoriedade do cumprimento do contrato pressupõe inalterabilidade da situação de fato do momento da contratação.
Ocorrendo uma modificação por acontecimento extraordinário (imprevisível), que torne excessivamente oneroso para o devedor o seu adimplemento, autoriza-se o pleito de isenção da obrigação, parcial ou totalmente.
A partir desse instituto, surgem duas teorias que podem auxiliar os empreendedores na recessão especificamente gerada pelo COVID-19: a teoria da imprevisão e a teoria da onerosidade excessiva.

Teoria da imprevisão e onerosidade excessiva

A teoria da imprevisão, prevista no artigo 317 do Código Civil, assegura que poderá ocorrer correção nos valores das prestações quando sobrevierem motivos imprevisíveis que resultem em manifesta desproporção entre o valor devido e o valor real.
Segundo os autores Felipe Quintella e Donizetti, são quatro os requisitos da revisão contratual por meio da teoria da imprevisão:

  1. O contrato precisa ser de execução continuada;
  2. Ao tempo da execução, deve ter ocorrido alguma alteração das circunstâncias fáticas vigentes à época da contratação;
  3. Essa alteração precisa ser inesperada e imprevisível quando da celebração do contrato; e
  4. A alteração precisa promover desequilíbrio entre as prestações.

Importante ressaltar que, por força do requisito previsto no item ”c”, os contratos celebrados durante o surto infeccioso do vírus devem prever cláusulas específicas de inadimplemento decorrente da pandemia, pois as partes não poderão alegar ser o COVID-19 caso fortuito ou de força maior, tampouco a ocorrência de alteração fática nessa hipótese.
Nesse mesmo sentido, pela teoria da onerosidade excessiva, além dos pressupostos da teoria da imprevisão é exigido que a parte demonstre uma situação de grande vantagem para um contratante e, em contrapartida, uma situação de onerosidade excessiva para o outro.
Utilizar as teorias descritas possibilita que as relações contratuais se mantenham equilibradas durante a vigência do Contrato e no decorrer da crise ocasionada pelo COVID-19.
Caso você queira saber mais sobre esse assunto, recomendamos a leitura do artigo de Felipe Quintella, intitulado “A pandemia do coronavírus e as teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva“ no blog do GenJurídico.
 

Além da aplicabilidade das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, classificar o advento do COVID-19 como caso fortuito e de força maior é uma possibilidade prevista no artigo 393 do Código Civil, muito embora possa ser arriscada, já que determinadas relações contratuais podem não ter como causa impeditiva a pandemia.
O parágrafo único do mesmo artigo explica que o caso fortuito ou de força maior ocorre quando os efeitos são impossíveis de evitar ou de impedir. Por exemplo, verifica-se que o impacto negativo do COVID-19 se aplica ao empreendedor que possui uma locação comercial em shopping center e, certamente, sofrerá prejuízos atualmente imensuráveis pelos decretos que ordenam o fechamento desses estabelecimentos.
Por outro lado, não se duvida que haverá empreendedores que se utilizarão do presente estado de calamidade pública para deliberadamente descumprir e romper contratos por motivos alheios à pandemia. Ou seja, apenas para aproveitar o momento.
Caso você queira aprofundar-se nesse assunto, recomendamos a leitura do artigo do Professor Anderson Schreiber, intitulado “Devagar com o andor: Coronavírus e contratos”, disponível no blog da Jusbrasil.
 

No presente contexto, vale destacar, também, a recente Lei da Liberdade Econômica alterou o artigo 421 do Código Civil. Agora o texto legal regulamenta que o Estado deve intervir de maneira mínima nas relações contratuais.
Além disso, a revisão do Contrato deve ser feita apenas em casos excepcionais e de maneira limitada, ou seja, a depender do caso concreto. Verificadas as circunstâncias decorrentes da situação natural do COVID-19, é possível inseri-la nas hipóteses de intervenção.
Tal situação pode ser verificada com a excepcionalidade e o efetivo desequilíbrio contratual gerado pela pandemia no objeto do Contrato, não sendo plausível, contudo, apenas por alegações genéricas.
 

Finalmente, deve-se ter em conta que podem haver divergências quanto à aplicação dos encargos moratórios aos Contratos, tendo em vista que a demora no pagamento das obrigações pode ter como culpa a parte contratante ou a situação causada pelo COVID-19.
Por este motivo, para a análise da aplicabilidade ou não dos encargos moratórios (como juros e cláusula penal) será necessário verificar se o inadimplemento é culpa do devedor ou se é uma situação pontual diante das dificuldades causadas pela crise ocasionada pelo vírus.
 
Incertezas jurídicas também são responsáveis por provocar um cenário de ansiedade e dificuldades na economia. Os pontos apresentados podem servir como norte para a tomada de decisões negociais em períodos de instabilidade como o que vivemos.
 
Como destacado anteriormente, a generalização será prejudicial neste momento. É essencial para a superação da crise atual que as relações negociais sejam mantidas e, para isso, um exame minucioso da aplicabilidade dos 5 pontos elencados, em conjunto com o bom-senso e a não-abusividade demonstram-se indispensáveis.
 

Empreendedores são o impulso da economia e, neste momento, devem ser incentivados e motivados a colaborarem com a melhora do cenário econômico do nosso país.

 
Referências:
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Civil vol. 3 – Contratos. São Paulo: Saraiva, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil vol. 3 – Contratos e Atos Unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2012.